Revisitando a trajetória das terapias cognitivas
Os pressupostos iniciais das Terapias Cognitivas se desenvolveram através de um processo dialético, no qual inicialmente a emergência de questões sobre personalidade, processos de saúde, adoecimento, terapêuticas clínicas, bem como as inquietações e o descontentamento frente aos paradigmas teóricos vigentes da época (período de 1950 a 1960) foram os dispositivos para o desenvolvimento de novas terapêuticas no tratamento do sofrimento psíquico. Na busca da compreensão acerca dos estados de sofrimento humano, bem como de novas possibilidades para ampliar os recursos psicoemocionais dos indivíduos, em meados da década de 1950, alguns profissionais da área de saúde mental buscaram nos estudos da Psicologia Cognitiva e das Ciências da Cognição a aquisição de novas vias de acesso ao complexo universo humano 5,6,7. Esses fatos podem ser verificados abaixo nos quadros demonstrativos, que apresentam uma breve cronologia de alguns dos fatos mais relevantes deste processo de revisões e reformulações teóricas no período entre 1950 até meados de 1980.
Quadro 1 – Fatos históricos nos estudos da Cognição
Década 1950
– Simpósio Internacional sobre Teoria da Informação promovido pelo
Instituto Massachusetts de Tecnologia.
– George Miller, Noam Chomsky, Allen Newell, Herbert Simon e um
grupo selecionado de eminentes pesquisadores estabeleceram
como prioridade a investigação e o esclarecimento a respeito das
estruturas, dos processos e dos conteúdos envolvidos na construção
do conhecimento.
– Jerome Brunner e Frederick Batletl: promovem Conferência
sobre Cognição.
– George Kelly: publica The Psychology of Personal Constructs.
– Chomsky: revisa os estudos sobre comportamento verbal elaborado
por Skinner.
– Vitor Frankl: elabora os fundamentos da logoterapia
Quadro 2 – Fatos históricos nos estudos na Cognição
Década 1960
– Bowlby: desenvolvimento da Teoria do Apego.
– Alexandre Luiria: estudo da fala na regulação do comportamento.
– Albert Bandura (Behaviorista): estudos sobre aprendizagem vicária,
desenvolvimento da linguagem.
– Carl Roger (Humanista): estudos dos processos empáticos, tendência
atualizante, vinculo clínico.
– Donald Meichenbaum (Behaviorista): estudos do comportamento
e auto-instrução verbal.
– Charles Spielberger: estudos acerca da consciência.
– Atckison: breves estudos sobre processos de informação.
Quadro 3 – Fatos históricos nos estudos na Cognição
Décadas 1970 e 1980
– Donald Meichenbaum: treinamento de inoculação do estresse.
– Robert Stemberger: processos básicos em Psicologia Cognitiva.
Estudos sobre memória.
– Albert Ellis (Psicanalista): elaboração da TREC - Terapia Racional
Emotiva Comportamental.
– Aaron Beck (Psicanalista): estudos sobre depressão. Elaboração
da Terapia Cognitiva – modelo Beck.
– D’ Zurilla e Goldfried: elaboração da Terapia de Resolução de Problemas.
– Lazarus: estudos sobre imagem e cognição. Elaboração da Teoria
Multimodal
– Michael Mahoney, Robert Niemeyer e pesquisadores da Europa e
América do Norte: Terapias Construtivistas.
– Gregory Bateson: estudos sobre Ecologia da Mente
– Maturana: estudos sobre autogestão dos organismos. Teoria da
Autopoiesis
– Vittorio Guidano: Terapia Pós-racionalista
– Aumento das revistas cientificas na área das ciências cognitivas
– Oscar Gonçalves: Terapia Narrativa
– Hector Fernandez Alvarez, Sara Baringolz: estudos sobre self do terapeuta. Ampliação dos estudos na América Latina
Esses conteúdos consistentemente alicerçados em pesquisas científicas tornaram-se foco de interesse de profissionais do meio acadêmico e da clínica psicoterápica, que vinham buscando novas respostas às suas questões em relação aos processos de saúde e adoecimento. Com efeito, a identidade da própria ciência psicológica passaria, a partir deste período, a ampliar os estudos sobre os processos por intermédio dos quais os indivíduos constroem e transformam seu conhecer, não somente num processo de assimilação
passiva, mas, sobretudo em um processo de ação pró-ativa que lhes permite alternar os núcleos nos qual o conhecimento se contextualiza.
A interlocução iniciou tenulmente, psicoterapeutas e estudiosos de duas das grandes linhas psicoterápicas vigentes naquela ocasião, a Psicanálise e o Behaviorismo, viram nos pressupostos das Ciências da Cognição
um caminho interessante a ser percorrido. Cada um a seu tempo, e em decorrência de questionamentos surgidos do dia a dia de seus contextos clínicos, voltaram-se de forma progressiva ao contato com informações e conceitos destas novas ciências. Seguramente entre as décadas de 1950 e 1980, pode-se verificar um trânsito interessantíssimo de revisões conceituais e intervenções terapêuticas que resultaram em mudanças estruturais dentro do setting psicoterápico.
Em um contexto sócio-cultural e científico no qual essas duas grandes vertentes teóricas norteavam inúmeros profissionais, começava sutilmente a emergir inquietações e questionamentos acerca da concepção de
ser humano e das viabilidades de auxílio terapêutico no campo do sofrimento psicoemocional. Esses questionamentos propiciaram ações de investigação científica, registros de prontuários clínicos e intervenções terapêuticas, estudos de casos, levantamentos de hipóteses, estruturação e delineamento
de ações clínicas. Movimentos estes que em alguns momentos foram realizados de forma solitária na individualidade de um consultório e/ou de uma instituição e em outros compartilhados em discussões de equipe, eventos e periódicos científicos.
Sabemos que as mudanças paradigmáticas não ocorrem de forma suave na vida de um ser humano.
Elas desconfortam, instigam e geram resignificações de valores e comportamentos. Mudar nem sempre quer dizer negar o antigo para assumir o novo, mudar pode, por vezes, ser apenas acrescentar novas explicações ou breves reformulações em contextos que estão imersos em complexidade. No caso dos pesquisadores cognitivistas não foi diferente: abrir-se às idéias emergentes naquele período histórico propiciou novos saberes, fazendo também surgir a necessidade contínua de registrar, delinear e projetar com mais clareza essa nova caminhada, fortalecendo paulatinamente a pesquisa bem estruturada, bem como a organização
de redes comunicacionais que propiciassem a interlocução destes novos postulados clínicos.
Em decorrência desses novos contextos, após a I Revolução Cognitiva, muitos destes profissionais incorporam em seus estudos e ações terapêuticas os novos conceitos trazidos das pesquisas acerca da cognição.
As pesquisas postulavam que os indivíduos não seriam meros armazenadores reativos das realidades, e sim co-construtores que alteram as realidades através de um intercâmbio ativo e auto-gestor8. Nesse período, novos estudos nas ciências humanas passariam a enfatizar o ser humano como um construtor de significados, alguém mais autônomo em suas experiências, menos preso a seus impulsos (ou elementos) internos, como pressupunha a Psicanálise, ou a estímulos e reforços do ambiente, como postulava o Behaviorismo. Cabe aqui ressaltar que essa nova abordagem clínica não nascia com o objetivo de destituir os saberes vigentes, mas sim ampliar com novas reflexões as instâncias até então não investigadas.
Psicólogos Behavioristas, Psicanalistas e alguns psicólogos das abordagens humanoexistencialistas
Essa nova ideia (ou será velha?) de integração interna e externa resgatava junto a uma geração de psicoterapeutas os pressupostos dos filósofos gregos, ou seja, a compreensão do ser humano em sua integralidade.
Foi também nos conceitos e construtos gregos que muitos dos pressupostos desta nova proposta foram embasados . Os psicoterapeutas e pesquisadores cognitivistas assumem similarmente ao filósofo Epíteto a premissa de que o ser humano não é perturbado pelas coisas, mas pelas percepções interpretativas que fazem delas. A partir das premissas de Sócrates, é resgatada a possibilidade das interlocuções comunicacionais geradoras de novos questionamentos e a importância do ato de questionar para a ampliação do auto-conhecimento. Estabelecem a necessidade da investigação criteriosa através dos estudos de Aristóteles ao enfatizarem a importância da reflexão, da sistematização das idéias, dos processos dedutivos e de síntese. Buscam a compreensão da temporalidade através dos conceitos de Platão nos processos de auto-observação e no respeito pelo ritmo pessoal de cada indivíduo. Enfim, na interlocução do antigo ao novo e do novo ao antigo, é resgatado um re-olhar para a importância do cognituse.
Sendo assim, nessa perspectiva teórica, o o conhecimento é entendido como indissociável da própria experiência, caracterizado por um processo de construção ativa do indivíduo durante todo o seu desenvolvimento.
Para Maturana 9, “os seres vivos conhecem, reconhecem, transformam e transformam-se no decurso de sua existência”. Sabe-se que, com vista a construir um significado de suas experiências, os indivíduos necessitam estabelecer um processo de conexão e coerência tanto no interior de cada episódio de seu cotidiano, quanto através das diferentes narrativas de vida. De acordo com Guidano 10 é precisamente esta construção de um sentido de coerência no espaço da diversidade da vida que irá permitir ao indivíduo a emergência
progressiva de um sentido de autoria.
Em síntese, a reflexão sobre a autoria e autonomia do indivíduo acerca de seus pensares, suas emoções e seus comportamentos, e a fluidez saudável das resolutivas frente aos obstáculos do cotidiano, vem nestes quase cinqüenta anos sendo uma das propostas centrais dos teóricos e psicoterapeutas cognitivistas.
Simone da Silva Machado
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