O olhar cognitivista

As Terapias Cognitivas postulam que as concepções humanas são únicas e que estas revelam os modelos de interação do indivíduo com sua realidade. Os significados, os diálogos internos, os filtros cognitivos e a experiência pró-ativa concebem um jeito de ser e viver no mundo. Os aspectos mediacionais são ferramentas importantes neste processo de conhecer; por intermédio deles o ser humano dá sentido à experiência vivida15,16,17,18.
De acordo com os estudos de Maturana19, o sistema humano sofre mudanças estruturais contínuas, ao mesmo tempo em que conserva o seu padrão de organização. Beck16, em seus estudos, refere-se a esse construto, abordando a existência de um elemento mediacional nos processos da cognição, isto é, o processamento das informações e a avaliação de eventos internos e externos irão influenciar nas respostas a esses eventos. Também sobre esse tema Guidano10 comenta que o ser humano experiencia o mundo
através de seus processos avaliativos, seja avaliando um episódio externo ou um episódio interno; e sob influência desta avaliação, desenvolve suas respostas a esses eventos. Com base nesses pressupostos, os cognitivistas buscam, através da elaboração teórica e tecnológicag dos processos terapêuticos, contribuir na compreensão dos processos de significação e resignificação
dos indivíduos. Na literatura atual em Terapias Cognitivas é possível verificar a existência de pressupostos comuns à maioria dos modelos teóricos cognitivistas Baringoltz,11 e Fernandez-Alvarez,5. Esses pressupostos congregam as principais ideias cognitivistas e o conhecimento delas possibilita uma clara compreensão da visão de indivíduo abordada neste paradigma. Os pressupostos são como eixos norteadores; são elementos importantes ao conhecimento do profissional que trabalha na área cognitivista, pois viabilizam que o mesmo possa fazer deles um dispositivo para a compreensão do self de seu
cliente, bem como para a organização de delineamentos clínicos necessários para o bom andamento do processo terapêutico. A presença dos referidos eixos norteadores nas diversas vertentes cognitivistas vêm a ser o elo que entrelaça os modelos teóricos dentro do paradigma cognitivista. São apresentados abaixo, no Quadro 4, os eixos norteadores presentes nos modelos teóricos cognitivistas.

Utiliza-se o termo tecnologia para explicitar a ação integrada de terapêuticas no setting clínico.
Tecnologia vem a ser mais amplo que o termo técnica, visto ser a junção da ontologia/epistemo logia/
contexto histórico social/teoria/díade terapêutica/técnica20. Machado (2003).

Quadro 4 – Eixos Norteadores
– O ser humano é um sistema auto-organizado.
– Ênfase na função mediadora dos processos da cognição humana.
– A construção da personalidade ocorre durante todo o desenvolvimento
humano.
– O indivíduo é mobilizado pela interpretação que faz de um evento
e não pelo evento em si.
– Os indivíduos participam ativamente da construção da realidade,
são agentes pró-ativos.
– O ser humano não é dissociado de seu contexto sócio-histórico.
A interpretação deste contexto influi em suas emoções, pensamentos
e comportamentos.
– A cognição pode ser acompanhada, investigada, avaliada e medida.
– As mudanças psico emocionais e comporta mentais podem ser
avaliadas via acompanhamento dos processos de cognição.
– Os processos cognitivos podem ser centrais ou periféricos. Os
centrais estão relacionados com a definição e a experiência do
self de forma fundamental. Os periféricos são agrupados ou derivados
em função dos processos cognitivos.
– Os esquemas cognitivos e as crenças centrais são considerados
processos centrais. As crenças intermediarias e os pensamentos
automáticos são processos periféricos
– Os registros mnemônicos são partes importante na formação dos
esquemas cognitivos e das crenças centrais.
– Os esquemas cognitivos possuem permeabilidade, amplitude,
flexibilidade e carga emocional.

Neste contexto, ser cognitivista é conviver com esses pressupostos como linhas organizadoras de uma visão de mundo e através deles configurar sua práxis clínica. Configurar uma prática clínica com base em eixos
norteadores é, sem dúvida nenhuma, uma questão bastante delicada no contexto das Terapias Cognitivas, pois não podemos desconsiderar a existência de pressupostos particulares em cada um dos modelos clínicos, ou pelo menos, em cada viés teórico ao qual esses modelos estão vinculados. Os pressupostos de um determinado modelo clínico muitas vezes são específicos, e sem eles, o referido modelo não poderia ser estruturado. Um exemplo desse fato pode ser verificado através de dois pressupostos centrais das Terapias Cognitivo Comporta mentais: o aspecto mediacional e o aspecto funcionalidade/desfuncionalidade, como bem salienta Knapp e Beck6 “uma característica definidora da TCC é o conceito de que os sintomas e os comportamentos desfuncionais são cognitivamente mediados e logo, a melhora pode ser produzida pela modificação do pensamento e de crenças disfuncionais”. Corroborando o apontamento deste pesquisador, constata-se então, que uma teoria que não tenha em seu arcabouço teórico e técnico um destes requisitos, não poderá ser classificada como Terapia Cognitiva-
Comporta mental. Se em seu arcabouço teórico o elemento mediacional é considerado, porém a ideia da existência de crenças desfuncionais não, como é o caso das Terapias Cognitivas Pós-Racionalistas, o referido modelo clínico não poderá ser classificado como Terapia Cognitivo Comporta mental. Visando
explicitar mais sobre o exemplo acima, cabe lembrar que o modelo clínico Pós-Racionalista considera a existência do elemento mediador, porém em relação às crenças, não as considera como desfuncionais, e sim
como recursos adaptativos do self frente a um elemento estressor. Para esse modelo teórico não seria uma disfunção, e sim, a forma como o indivíduo significou e reorganizou seus recursos de coping. Os pressupostos específicos configuram a forma e a identidade de cada abordagem teórica e tecnológica. Seguramente essas especificidades devem sempre ser consideradas, pois sem elas não haveria a diversidade técnica e científica.
Cabe salientar que cada modelo cognitivista possui em sua base os eixos norteadores, sendo que, de acordo com os objetivos específicos de cada modelo, os eixos servirão como elementos propulsores das formulações teóricas e tecnológicas do mesmo. Um exemplo que ilustra essa afirmação pode ser demonstrado no eixo: Ênfase na função mediadora dos processos da cognição humana, apresentado no Quadro 4. É possível encontrar nos modelos cognitivistas pelos menos dois desdobramentos dessa informação, bem como tecnologias provenientes dos mesmos. Em primeiro lugar, sob um ponto de vista do modelo da Terapia Cognitiva de Aaron Beck, a função mediadora é verificada via a investigação dos processos de pensamento, e uma possível tecnologia seria o RPD-Registro de Pensamentos Disfuncionais. O terapeuta investiga junto ao cliente quais os pensamentos que estão vinculados a uma determinada situação tens ora e juntos buscam investigar a correlação da interpretação desta situação com as consequências comportamentais decorrentes dessa interpretação. Já no modelo da Terapia Narrativa, a função mediadora seria investigada através dos processos de recordação de episódios significativos de vida, e uma possível tecnologia seria a utilização de escritos livres e/ou fotografias. De acordo com Machado20
essas tecnologias possibilitam ao cliente a investigação das lembranças via significados dados a esses episódios; durante a consulta são investigados os sentimentos, pensamentos, sensações corpóreas e elementos tácitos resultantes do contato com esses objetos/informações. Através desse exemplo, percebe-se então que o construto abordado em ambos os modelos terapêuticos é o mesmo, ou seja, a função mediadora do organismo, que pressupõe que as atitudes sempre são mediadas pelas percepções e interpretações em relação ao evento. Sendo assim, para os cognitivistas do modelo de reestruturação cognitiva, o contato em busca dessa interpretação será via pensamento; já para os cognitivistas narrativista, a via de acesso poderá ser, tanto pelo pensamento, quanto pelo sentimento, ou mesmo pelas sensações e pelos comportamentos. Cabe ressaltar que ambos irão acessar essas instâncias do self, como observa-se em outro eixo norteador, ao afirmar que o ser humano é um sistema auto-organizado (Quadro 4).
 Ao acessar uma parte desse sistema, todo ele é acessado. Em síntese, o que distingue neste exemplo um modelo do outro, é a forma de acesso ao material clínico.
Visando respeitar os pressupostos básicos das Terapias Cognitivas, bem como as particularidades de cada modelo teórico e tecnológico, elaborou-se neste artigo um quadro informativo que apresenta de forma sintética os principais aportes teóricos e tecnológicos, seus representantes e/ou organizadores da abordagem, o elemento norteador no qual estão alicerçados e o acesso clinico (via de intervenção clínica). Apresenta-se abaixo, no Quadro 5, a grade informativa dos principais modelos teóricos e tecnológicos
cognitivistas.
Os estudos de Oscar Gonçalves na Universidade de Minho, Portugal tem contribuído
consistentemente para a divulgação desta referida teoria.



Simone da Silva Machado
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