REFLETINDO UM POUCO SOBRE AS VIOLÊNCIAS

REFLETINDO UM POUCO SOBRE AS VIOLÊNCIAS   

LÍVIA DE TARTARI  E  SACRAMENTO 

Historicamente a violência atinge todos os setores da sociedade, sendo um fenômeno multi-determinado e, como tal, complexo. Por isso, achamos relevante avançar na discussão sobre esse tema. Abordaremos, neste trabalho, os diversos matizes das violências que foram pesquisados em livros, dissertações e artigos publicados no período de 1991 a 2005.
Objetivamos fazer uma revisão bibliográfica sobre o tema violência, a partir de artigos da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS): http://www.bireme.br/, publicados no período de 1991 a 2005. Além desta revisão, usamos dissertações e livros. Na busca feita no dia 16 de Fevereiro de 2005 colocamos o descritor violência e encontramos 65 artigos. Com a leitura dos resumos destes artigos fizemos uma seleção de oito estudos que abordam a violência relacionada à saúde da mulher, no âmbito doméstico.
O termo violência, de natureza polissêmica, é utilizado em muitos contextos sociais. Como exemplo, podemos pensar que o termo violência pode ser empregado tanto para um homicídio quanto para maus - tratos emocionais, verbais e psicológicos. Na esfera conjugal manifesta-se com freqüência através dos maus - tratos; ao submeter à mulher a práticas sexuais contra a sua vontade; maus - tratos
físicos, isolamento social; ao proibir o uso de meios de comunicação; o acesso aos cuidados de saúde;a intimidação. No ambiente profissional observa-se a presença de assédio moral. 
A violência foi definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002) como o "uso intencional da força ou poder em uma forma de ameaça ou efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa ou grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem grandes probabilidades de ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações do desenvolvimento ou privações".
A violência é uma questão social e, portanto, não é objeto próprio de nenhum setor específico. Segundo Minayo (2004), ela se torna um tema mais ligado à saúde por estar associada à qualidade de vida; pelas lesões físicas, psíquicas e morais que acarreta e pelas exigências de atenção e cuidados dos serviços médico-hospitalares e também, pela concepção ampliada do conceito de saúde. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde seria o completo bem – estar físico, mental, social e espiritual dos indivíduos.
Segundo Schraiber e D'oliveira (1999), mesmo nos dias atuais, em que, de fato, estamos nos voltando para a violência como grande problema social, esta não encontra um adequado e profícuo canal de publicidade: não existe ainda um lugar social e um campo de intervenção e saberes que a reconheça como objeto próprio: como seu alvo de estudos e de atuação. Sem reconhecimento e definição de seu lugar no mundo da ciência se torna difícil o relato e a exposição de seus detalhamentos. Ainda de acordo com Schraiber e D'oliveira (1999), é por este motivo que muitos que estudam o fenômeno apontam para sua invisibilidade social. Ou seja, esta impossibilidade de ter um lugar no discurso da ciência   e nas práticas sociais, bem como não haver uma linguagem apropriada para nomeá-la e lidar com suas questões internas - dos seus determinantes, antecedentes, das suas conseqüências, no âmbito da vida e da saúde da população.
Tendo em vista as especificidades da violência, teremos algumas subdivisões que serão importantes para o desenrolar da discussão. O termo violência contra a mulher foi dado pelo movimento social feminista há pouco mais de vinte anos. A expressão refere-se a situações diversas quanto aos atos e comportamentos cometidos: violência física, assassinatos, violência sexual e psicológica cometida por parceiros (íntimos ou não), estupro, abuso sexual de meninas, assédio sexual e moral (no trabalho ou não), abusos emocionais, espancamentos, compelir a pânico, aterrorizar, prostituição forçada, coerção à pornografia, o tráfico de mulheres, o turismo sexual, a violência étnica e racial, a violência cometida pelo Estado, por ação ou omissão, a mutilação genital, a violência e os assassinatos ligados ao dote, violação conjugal, violência tolerada perpetrada pelo Estado, etc. A violência contra a mulherde violência  inclui, ainda, por referência ao âmbito da vida familiar, além das agressões e abusos já discriminados, impedimentos ao trabalho ou estudo, recusa de apoio financeiro para a lida doméstica, controle dos bens do casal e/ou dos bens da mulher exclusivamente pelos homens da casa, ameaças de expulsão da casa e perda de bens, como forma de “educar” ou punir por comportamentos que a mulher tenha adotado. 
A violência parece estar ligada à criminalidade e ser usada para expressar o que ocorre no espaço público, quando é cometida por desconhecidos. Quando os problemas ocorrem com vizinhos, colegas de trabalho e escola, não são reconhecidos como violência. O termo violência também indica que a situação é grave, o que, culturalmente, parece significar que a violência doméstica, embora concretamente severa, não é representada como tal. Dentre os tipos de violência, a do tipo sexual é a mais associada ao conceito de violência.
Muitas vezes a violência pode ocorrer nos relacionamentos amorosos. Especialmente a violência cometida por pessoas íntimas, que envolve, também, filhos, pais, sogros e outros parentes ou pessoas que vivam na mesma casa. A esse tipo de violência costumamos chamar de violência doméstica.
A violência doméstica está de tal maneira arraigada na vida social de determinadas famílias que passa a ser percebida como uma situação normal.
Entende-se por violência intrafamiliar:
(...) toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de um membro da família. Pode ser cometida dentro e fora de casa, por qualquer integrante da família que esteja em relação de poder com a pessoa agredida. Inclui também as pessoas que estão exercendo a função de pai ou mãe , mesmo sem laços de sangue. (Day e cols, 2003)
Já o termo doméstico inclui pessoas que convivem no ambiente familiar, como empregados, agregados e visitantes esporádicos. A violência doméstica emerge como questão social importante mediante estudos dos conflitos familiares, sendo mais conhecida por referência aos abusos e maus-tratos sofridos pelas crianças, mulheres e idosos.
Tal fato é possível de ser visto nas agressões físicas e nos maus-tratos de ordem psicológica, remanescentes da cultura que entendeu os castigos ou punições
corporais e a desqualificação moral ou a humilhação da pessoa como recursos de socialização e práticas educativas. Deste modo, as dimensões físicas, sexuais e psicológicas mostram-se extremamente interligadas à violência doméstica.
De outro lado, sofrer agressões e abusos por pessoas íntimas torna a violência contra a mulher situação próxima àquela das crianças e dos idosos: são as questões de gênero, vinculadas às desigualdades, que revestem as agressões e os abusos perpetrados contra as mulheres e as meninas que tornam a violência contra a mulher um evento específico.
Neste caso, mais que em qualquer outro, vamos encontrar as delimitações das esferas psicológica, física e sexual entremeadas uma pelas outras, exatamente por estarem envolvidas e resignificadas pelas questões de gênero.
Consideramos que a violência psicológica é mais comum e menos visível.
(...) De fato, embora alguns autores acreditem que a violência psicológica subjaz a toda e qualquer forma de abuso (Guerra, 1998), ela é quase sempre a modalidade de menor incidência tanto em outros países como nos diversos serviços brasileiros que apresentam essas estatísticas, no Brasil. (Guerra, 1998, p. 299).
No tocante aos tipos de violência, a física atinge o topo da estatística da pesquisa realizada pelo Centro de Referência às Vítimas de Violência (CNRVV) do Instituto Sedes Sapientae. Esta foi realizada de 1994 a 1998, tendo como base 64 casos atendidos pelo CNRVV. Mostra a prevalência do núcleo familiar como cenário da vitimização (76% dos casos) e a predominância da violência física (84,21%), associada ou não à violência sexual (40,60%) e, logo depois, o abandono (15,04%) e a negligência (13,53%) e a violência psicológica (12,03%). Se somarmos a negligência e o abandono (podem ser entendidos como abuso emocional) com a violência psicológica teremos um número bastante significativo (40,60%). Ou seja, a mesma porcentagem da violência sexual tão alardeada.
A violência sexual faz parte de uma grande margem da violência contra a mulher e necessita ser relatada, pois foi ela que abriu campo para o estudo dos outros tipos. A agressão sexual por um desconhecido é bastante diversa da mesma agressão cometida por uma pessoa íntima, que se ama (ou amou) e com quem se escolheu conviver, ainda que esta opção seja, algumas vezes, mais próxima do constrangimento. O assédio, tal qual a violência na esfera psicológica, que é a forma de muitas pessoas chamarem as humilhações, ameaças ou desqualificações e, por vezes, as agressões a pessoas ou bens queridos, nada mais é do que um componente da violência que depende muito dos contextos culturais das práticas amorosas ou dos relacionamentos entre homens e mulheres para ser “diagnosticado” como uma forma de violência.
          Desta forma, o termo violência contra a mulher diz respeito a sofrimentos e agressões dirigidos especificamente às mulheres pelo fato de serem mulheres. Como termo genérico usado para referir à situação experimentada pelas mulheres quer remeter também a uma construção de gênero, isto é, se por um lado este termo evidencia uma dada ocorrência sobre as mulheres, também quer significar a diferença de estatuto social da condição feminina. Esta diferença faz com que situações de violência experimentadas pelas mulheres, especialmente a violência que se dá por agressores conhecidos, próximos e de relacionamento íntimo, sejam vistas como experiências de vida usuais. 
            Há uma lei, Lei nº 10.778/03, que estabelece a notificação compulsória da violência contra a mulher atendida nos serviços de saúde, sejam eles públicos ou privados. Este fato também é previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990). E antes pela Constituição Federal de 1988 (Art. 227), sendo obrigatória a notificação de casos suspeitos ou confirmados, prevendo penas para quem não o fizer.
Para evitar mais distorções, a Conferência de Direitos Humanos de 1993 gerou uma definição oficial das Nações Unidas sobre a violência contra a mulher: "todo ato de violência de gênero que resulte em, ou possa resultar em dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico da mulher, incluindo a ameaça de tais atos, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade, tanto na vida pública como na vida privada" (p. 3).
Definiremos também a violência psicológica. No trecho abaixo ela foi utilizada para as crianças, mas pode ser estendida para qualquer raça, gênero, etnia...
Constitui toda forma de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, cobranças exageradas, punições humilhantes e utilização da criança ou do adolescente para atender às necessidades psíquicas dos adultos. Todas essas formas de maus – tratos psicológicos causam danos ao desenvolvimento e ao crescimento biopsicossocial da criança ou do adolescente, podendo provocar efeitos muito deletérios na formação de sua personalidade e na sua forma de encarar a vida. Pela falta de materialidade do ato que atinge, sobretudo, o campo emocional e espiritual da vítima e pela falta de evidências imediatas de maus – tratos, esse tipo de violência é dos mais difíceis de serem identificados (Brasil, 2002 apud Signorini & Brandâo, 2004, p. 298-299)
A violência conjugal está bastante ligada à violência contra as mulheres ou à violência de gênero. Esta passou a ter visibilidade nos primeiros anos da década de 80 com o surgimento do movimento feminista e com o levantamento das situações de violência ocorridas dentro dos lares. As feministas pediam que estes crimes, cometidos por pessoas conhecidas, tivessem o mesmo tratamento dado aos crimes de violência cometidos por desconhecidos. Assim foi anunciado o problema da violência conjugal, uma situação que outrora era privada estava se tornando pública e demandava soluções. Segundo Day e Cols (2003), 40 a 70% dos homicídios femininos , no mundo,  são  cometidos por parceiros íntimos.
Segundo Gonçalves (2003), o lar é gerido por um conjunto de regras e padrões, que são as Leis Domésticas. Em sua maioria, tais leis são subentendidas, ou seja, são informais. Dessa maneira, não estão escritas, assim como não foi assinado um contrato de cumprimento das mesmas.
 A lei doméstica, portanto, fundamenta a desigualdade existente entre os membros da família. Estas leis parecem operar com base numa postura de retórica e de violência. A retórica se exemplifica na assimetria dos papéis e do peso recebido pelos componentes do núcleo familiar. A violência está explicita através de atos, palavras, ações, gestos... Tais situações parecem combinar bastante, fazendo da unilateralidade das decisões uma constante na vida familiar: na não possibilidade de argumentação pelos membros, na imposição de comportamentos e do silêncio, entre outras coisas.  
Estudos apontam que a violência nas relações familiares envolve atos, palavras e pensamentos que depreciam a imagem da pessoa diante de si e dos outros. Os sentimentos que vão se formando afetam a vida psíquica da vítima. O desenvolvimento de feridas emocionais, criadas a partir dos relacionamentos agressivos, onde a pessoa é vítima de violência pode ficar registrado em seu psiquismo como marcas traumáticas. Muitas situações ocorridas nesses lares não são objeto de boletins de ocorrência, pois são assuntos de família e, segundo as Leis Domésticas, só devem ser abordados na intimidade da mesma.
Uma pessoa que tenha sofrido uma agressão é uma vítima, pois seu psiquismo é alterado de maneira mais ou menos duradoura. Mesmo quando sua maneira de reagir à agressão contribui para estabelecer com o agressor uma relação auto – alimentada e que dá a impressão de ser ‘simétrica’, não devemos esquecer que essa pessoa sofre ou sofreu uma situação pela qual, na maioria das vezes, não é responsável. Embora as vítimas se queixem de seu parceiro ou daqueles com quem convivem, é raro terem a consciência de que existe esta temível violência subterrânea e que ousem queixar-se dela.
Continuando o artigo completo, com suas referências segue o link:  
IMPLICAÇÕES DA VIOLÊNCIA PARA A SAÚDE DA VÍTIMA
http://psicologiaacademica.blogspot.com/p/implicacoes-da-violencia-para-saude-da.html
        

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